C alíope já não sabia se o que sentia era cansaço ou desistência. Talvez fossem ambos, dissolvidos em um mesmo corpo que se arrastava pelas manhãs como quem percorre os escombros de uma guerra que nunca termina. A cabeça pesava. O mundo girava ao contrário dentro dela. As palavras se perdiam antes mesmo de virarem som, como se o pensamento nascesse já gasto, já exausto, já sem vontade de existir. Havia algo estranho em acordar. Como se o simples ato de abrir os olhos fosse um esforço desnecessário... uma afronta à dor. Porque era sempre ela, a dor. Silenciosa, insistente, infiltrando-se pelas frestas dos dias. Não uma dor qualquer, não uma ferida visível, mas aquela que escorre pelos corredores da mente, que se esconde nas palavras não ditas, que grita nas pausas. O cérebro de Calíope era um moinho enlouquecido, moendo lembranças velhas como se fossem alimento. O passado circulava ali como sangue amargo, como se o tempo tivesse se recusado a passar. E talvez tivesse...