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Pestana

     Pois então... Vem ficando cada dia mais difícil fazer outra coisa que não seja desabafar. Os malditos desabafos, contidos por meses e anos nos abraços falsos do teu pseudo-amor. O que me leva a crer que todos os amores do mundo, todas as possíveis demonstrações de afeto devem ter algum tipo de interesse. Abraçar com o interesse de receber conforto. Beijar com a intenção de fazer sexo. Amar com a intenção de enganar. Seja qual for o amor, eu odeio ele!
     A paz que era contida em momentos de união, hoje tornou-se a solidão completa de uma alma que vem vagando com um simples aparelho inútil. Minh'alma percorre os instintos de sacanagem da tua mente, por dentre os teus caminhos... Enquanto meu corpo tenta fugir da realidade e tuas ligações tornam-se mais frequentes, vejo o pouco de vida que ainda me restava indo pelos ares. Vejo meu fôlego esvaindo-se em uma incessável corrida sem rumo definido e os dias terminando em nevoeiros de confusão. Apenas confusão.
     Gostava quando havia pureza, ou, quem sabe nunca houve. Apenas gostava da enganação que a pureza da infancia fazia com as memórias. Eram escondidas de tal forma que, quem sabe eu poderia ter tido uma vida inteira pura. Gosto é do mundo onde tua forma demoníaca não assombra meus piores pesadelos e de quando teu toque não é lembrado em um piscar de olhos. Gosto do mundo em que tu não existes. Queria completar o ciclo de sangue com o simples fechar dos olhos. Dos meus olhos, agora!

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