Pular para o conteúdo principal

Senti saudades de ti, Ramtel.

    Amanheceu e simplesmente foi apenas um dia. Enquanto anjos planam pelo céu, voam por aí fazendo a felicidade de muitos... Bom, isso é o que tu pensas, não é? Como já expliquei, quem sabe os anjos não sejam lá tão bons assim quanto deva parecer. Será mesmo que ir para o céu é a felicidade e a salvação das almas? Ou quem sabe não seja a derrota de uma vida sem glórias e sem planos? A derrota de vidas que foram derrotadas pelo tempo, assim como a de Ramtel, nosso anjo caído e desolado. Desolado, dissolvido, abstrato, perturbado, suicida e irmão mais velho.
    Pois bem, o pecado da vida é o suicídio ou o pecado, na verdade é o medo de pecar? O medo de estar lá e não querer estar ou a força de vontade estar abaixo da estimativa de vida que algum "Deus" possa ter dado. Desculpe-me, Senhor, mas é que indago-me todos os dias sobre os tais pecados capitais. Indago-me desde que descrevi um pouco da vida de Ramtel, por saber de tudo isso e por querer explicar, talvez... É castigo levar uma alma suicida para cuidar de uma raça com o qual o mesmo não simpatiza, sem saber que anteriormente desistiu de tudo, de uma vida, de estudos e de uma família? É justo apagar tudo isso? É justo por vingança? Por ter perdido mais um de seus bonecos, não é?
    Entre beija-flores e arvores, entre a vida e a morte pode haver muito menos do que se espera. Podem haver mentiras, assim como podem haver todas as mágicas e estupendas histórias misticas com as quais ouviste falar. O que acha, Ram? É plausível a dúvida sobre tua memória recente? Ainda vejo tuas asas, mas, quem sabe não seja só a névoa cegando-me.
    Mas, aconteça o que acontecer, a dúvida é o preço da pureza e é inútil ter certeza. Sábios são os músicos destas gerações, Ram. Apresentarei-te os mestres e, quem sabe... decidas pousar aqui por hora ou para sempre. 
    Venha, estrangeiro espacial. Suspenda a lingua formal e aprenda que os dias e os bons dias são vagos, a vida é vaga assim como a dança é bela e a forma mais linda de comparar as coisas é deixa-las sem nexo algum. A forma mais linda de amar como amei, Ram... é deixar livre mas que não seja em vão. Haha! A arte da mudança de assuntos, não é? Pois bem, a formalidade é informal e confusa.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A história de Kasiade | Parte 1

K asíade era o anjo preferido de Zeus. Tudo seguiu em “ordem” por centenas de anos, até que ele conheceu Kya enquanto saia escondido do Olimpo para entender os mortais. Fascinado por sua beleza e seus olhos castanhos, o anjo se apaixonou. Porém, a paixão o trouxe consequências. Um dia, enquanto Kasíade estava indo aconselhar-se com Delfos um encontro inesperado acontece. Zeus, o poderoso Deus do Olimpo estava o esperando próximo o bastante para que ele sequer pudesse pensar em fugir. Ele olhou para Kasíade com desdém e disse: “Você foi um tolo em se apaixonar por uma humana e revelar a verdade a ela. Você quebrou as regras e agora precisa suportar as consequências.” Kasíade olhou para Zeus com tristeza em seus olhos e respondeu: “Eu amava essa humana e não pude suportar a ideia de escondê-la da verdade. Eu sabia que isso iria me custar caro, mas não pude deixar de agir com o meu coração e mostrar minha verdadeira forma a ela ou até mesmo deixar que a mulher que amo fosse enganada a vid...

Entardecer

Há alguns meses, duas histórias começaram a se roçar nas bordas do tempo, como fios invisíveis que se reconhecem antes de se tocarem. Por escolha ou por destino, e talvez não haja diferença entre um e outro, cruzaram-se.   A Loba havia detido seu próprio tempo. Parou entre um suspiro e outro para observar o sol morrer pela enésima vez, num tom de laranja que só existe nos instantes em que o mundo parece lembrar de respirar. Ali, imersa no crepúsculo, ela percebeu não estar só. Havia outro ser, igualmente imóvel, absorvendo o mesmo instante, talvez pelo mesmo motivo: o cansaço do eterno.   Quando seus olhos se encontraram, algo na realidade vacilou. Ambas precisaram certificar-se de que não eram miragens, nem fragmentos de memórias quebradas. A princípio, tentaram sustentar o olhar, mas logo cederam e voltaram-se para o chão, como se o pôr do sol, agora, fosse menos intenso do que o que emergia dentro delas.   A presença da outra era um paradoxo em forma de carne e luz. Ca...

Companhia

As ruas transbordavam passos e vozes. Um oceano de pessoas avançava em direções múltiplas, cada rosto uma máscara, cada gesto uma partitura repetida. Eu caminhava entre el a s, tragada pelo fluxo, mas sentindo-me como pedra. Havia música vind o de algum lugar distante, vida se exibindo em excesso e em mim apenas um vazio que mastigava as margens da alma.   Por motivo algum a multidão me feria com sua abundância. Cada abraço alheio era navalha contra a pele, cada gargalhada me lembrava do silêncio interno que insistia “aqui” . Caminhava e, mesmo cercad a por centenas de vultos e sons , o vazio conturbado se fazia mais presente que nunca, como uma fera que acompanha de perto a presa e não a deixa respirar.   E foi então que a percebi. Encostada no corredor lateral de um préd io antigo, meio submersa na penumbra. Seus olhos não riam, não pediam nada, não prometiam conforto. Apenas observavam. Havia uma quietude nela que parecia me reconhecer, como se também carregasse de...